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Curso básico de costura transforma vida de mulheres em Ceilândia

Formatura das turmas 10, 11, 12 e 13 em 25 de março de 2023: 41 mulheres
Para a maioria das mulheres capacitadas, a formação resultou em grandes e significativas transformações em suas vidas



Costurar vai além de ser uma atividade profissional. Serve como terapia para aliviar as dores da alma. Para Ana Maria Matias da Silva, 44 anos, nascida em Taguatinga, mãe solo de quatro filhos, participar do curso básico de costura promovido pela Ação Social Caminheiros de Antônio de Pádua (AscapBsB) — organização da sociedade civil sem fins lucrativos, com sede em Ceilândia —, foi a corda que a tirou do fundo do poço. "Eu estava com depressão, preocupada sobre como criar meus filhos", diz ela, que hoje tem na costura a principal fonte de renda.

Ana Maria diz que a costura
transformou a sua vida

O encontro com a Ascap ocorreu em setembro do ano passado. À época, Ana Maria morava no Sol Nascente, quando viu o banner do curso na parede da instituição. Era tudo o que queria, uma vez que não poderia mais continuar como diarista. Estava proibida pelo médico de fazer grande esforço físico devido à artrose em grau máximo na perna direita.

A adversidade obrigou Ana Maria a se mudar para a casa da mãe, em Águas Lindas, cidade de Goiás vizinha ao Distrito Federal, a cerca de 30km. Lá, ela tem seu local de trabalho e, ainda, fica ao lado dos filhos, da mãe e dos irmãos. Uma boa casa, com espaço para as crianças brincarem sob o olhar e cuidados devidos.

Como não poder trabalhar com quatro filhos para sustentar? Era a pergunta que lhe causava desassossego. Os médicos recomendaram-lhe não sair sozinha. O nível de depressão indicava que estava à beira de um ato extremo. "Muitas vezes pensei em me matar. Não cometi suicídio por causa dos meus filhos", recorda, emocionada, Ana Maria.

Para ela, o anúncio do curso básico de costura na parede da AscapBsB veio como tábua de salvação. Ana se inscreveu logo no dia seguinte. "Voltei a ter vida a partir das aulas. Hoje, a depressão acabou e estou em fase de desmame dos medicamentos", festeja a transformação que o aprendizado provocou em sua vida. 

Ana diz que recuperou a autoestima e a alegria de viver. Aprender a costurar, ainda que tenha sido o básico, permitiu que ela trabalhe em casa. Na rua, é reconhecida como "Ana, a costureira". Ela comemora também o impacto da sua mudança na família. "Meu filho mais velho, de 19 anos, não mais vive triste e preocupado em trabalhar para ajudar no sustento da família. Embora ele esteja trabalhando, estuda e pretende fazer uma faculdade", acrescenta.

O primeiro teste como costureira foi o desafio de fazer uma roupa de Mamãe Noel para uma das irmãs e para a amiga dela, engajadas nas atividades da Igreja Católica local. "Quando minha irmã me pediu para fazer a roupa fiquei com receio, mas ela me convenceu a dar conta do recado", recorda. Tudo deu tão certo que "Ana, a costureira" tem encomendas para o próximo Natal. No dia a dia, ela produz vestidos, faz consertos e não para de trabalhar a semana inteira. "Como não posso fazer esforço, hoje trabalho sentada. As fortes dores que sentia no joelho passaram. E já consegui comprar duas máquinas, uma delas overloque, para fazer um acabamento melhor nas peças que costuro", diz, exibindo um sorriso largo de mulher vitoriosa.

Para Lucicleide, emendar retalhos
significa "unir pedacinhos de amor
"
Assim como "Ana, a costureira", Maria Lucicleide Mesquita Monteiro, 50 anos, nascida e moradora de Ceilândia, viu no curso básico de costura uma oportunidade de suprir suas carências emocionais e materiais. "Foi a melhor coisa que me aconteceu. Mexeu com o meu psicológico. Nas aulas me sentia acolhida, muito querida. Me arrumava toda, como se fosse sair para um evento muito importante", diz Lucicleide, sempre chamada de Cleide pela família e pelas amigas que conquistou durante o curso. Receber um abraço da professora Suzete Cunha, a Suzy , na chegada à AscapBsB para mais uma aula, era um lenitivo para aliviar o desconforto causado pela tristeza que carregava no coração, devido às dificuldades enfrentadas.

Cleide coleciona adversidades desde criança. Perdeu a mãe para um câncer devastador aos cinco anos. Ela e os seis irmãos foram criados pelo pai. Na casa não tinha fogão. As meninas dormiam todas em um colchão de casa e os meninos, um deles de nove meses, em outro. O irmão mais velho teve paralisia. A irmã mais velha fugiu de casa com um homem e foi para São Paulo, onde ganhou na loteria e acabou assassinada por companheiros, por causa do dinheiro.

Aos 13 anos, Cleide casou, foi morar na casa da sogra e, aos 16, já era mãe de dois filhos. Na fase adulta, conseguiu emprego de cozinheira em um restaurante de Taguatinga. As fragilidades físicas surgiram e as impediram de continuar trabalhando. Há mais de um ano tenta se aposentar, sem sucesso, pelo INSS. O marido convive com problemas de saúde e não tem trabalho fixo, o que torna a sobrevivência do casal muito difícil.

Mas seu entusiasmo com o curso de costura contagiou a família. O filho lhe presenteou com uma novinha em folha. "Para mim, a máquina de costura é mais que um remédio", diz, sorrindo. Cleide produz agora lindos tapetes com retalhos de tecido, além de roupinhas para Pets. Faz pequenos reparos e vestidos para a sobrinha. Para ela, emendar retalhos significa "unir pedacinhos de amor e não de molambos, como muitos veem as sobras de tecidos. Unidos com carinho, viram uma coisa linda".

Tanto Cleide quanto Ana Maria e a maioria das 113 alunas do curso estão ansiosas para avançar no aprendizado da costura. Torcem para que a AscapBsB garanta meios para promover o curso de corte e modelagem e, assim, se tornarem profissionais dessa arte indispensável a todos. A demanda foi identificada nas respostas das alunas, por meio do questionário de avaliação do curso.

Link do questionário de avaliação: https://forms.gle/Nt4DrTESjE5zQKSb9 

Costura Social aponta novos horizontes às mulheres

"Sonho que se sonha só é só um sonho que se sonha só, mas sonho que se sonha junto é realidade." O verso da canção Prelúdio, do inesquecível cantor e compositor baiano Raul Seixas (1945-1989), expressa a persistência da diretoria da Ação Social Caminheiros de Antônio de Pádua (AscapBsB), fundada em 1994, no Setor O de Ceilândia, de levar às mulheres da periferia atividades voltadas à promoção social e econômica.

"Nosso objetivo não é só distribuir cestas de alimentos às famílias que passam necessidade. Queremos transformar a vida das pessoas, principalmente das mulheres, para que possam viver melhor", diz a presidente da instituição, Salvelina Pereira Roldão Cabral, que comemora o resultado do curso básico de costura, o primeiro do gênero financiado com recursos públicos. Foram formadas 113 mulheres em costura básica, entre as mais de 300 inscritas, e 42 terapeutas comunitários integrativos (TCIs), garantindo a presença desses profissionais reconhecidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS) na maioria das regiões administrativas do Distrito Federal.

O desejo se concretizou pela sensibilidade da senadora Leila Barros (PDT-DF). Ela acolheu o projeto para oferecer os cursos de costura básica e de formação de TCIs. A parlamentar apresentou emenda ao Orçamento da União de 2021, possibilitando os recursos aos dois cursos necessários ao desenvolvimento do projeto.

"Desde o começo da construção da proposta, com as professoras e terapeutas Neusa Zimmermann e Mirna Almeida, do Polo Correnteza, hoje Polo de Formação em TCI Correnteza, pensei que não seria fácil formar 150 costureiras e 30 terapeutas. Mas, logo que lançamos a pré-inscrição, por meio de um formulário eletrônico, o número de interessadas passou a aumentar a cada dia. Terminamos esse ciclo com 325 inscrições, quando o nosso limite era de 150 vagas", conta Salvelina Pereira Roldão.

O número de máquinas de costura era insuficiente. A dificuldade foi superada pelo gesto solidário da Fundação Casa Rosa, organização da sociedade civil sediada em Sobradinho que presta assistência ao público LGBTQIAP , presidida por Marcos Tavares. Ele cedeu à AscapBsB parte das máquinas industriais da instituição. Assim, foi possível organizar um pequeno atelier para as aulas, que foram ministradas pela designer de moda Suzete Cunha.

Tecidos, linhas, agulhas, fitas métricas e outros insumos não cobertos pelos recursos do projeto foram arrecadados por meio de doações. "Temos que agradecer ao jornalista José Carlos, editor de Cidade e Cultura do Correio Braziliense, ao armarinho Mundo do Aviamento e à loja de tecidos Saliba, de Ceilândia", destaca Salvelina.

Segundo ela, todos contribuíram com tecidos, aviamentos e redução de preços para que fosse possível garantir às alunas o material do curso, cientes da importância dessa formação, para quem vive na periferia. "Uma rede de solidariedade, e incluo também o Correio Braziliense, que tem nos apoiado com divulgação das nossas realizações", acrescenta a presidente da AscapBsB. Para ela, os próximos desafios são avançar com os cursos de corte e modelagem e construir um galpão para que as alunas tenham um atelier bem organizado, aprendendo e produzindo, a fim de que tenham renda e uma vida melhor.

Protagonismo feminino


Suzete Cunha: "O curso despertou
prot
agonismo e a autoestima das mulhere
s"
"A minha experiência para dar aulas na Costura Social foi uma grande realização tanto profissional quanto como ser humano. O objetivo do projeto era, entre tantos, o protagonismo feminino. A minha sensação, na conclusão desta empreitada, foi a de ter atingido com louvor essas metas. Conseguimos despertar o protagonismo e a autoestima de tantas mulheres, que, em sua grande maioria, chegaram até nós desacreditadas de seu potencial, podadas por tantas dores ao longo da vida", diz a professora e designer de moda Suzete Cunha.

Ela destaca que o encontro de tantas histórias de vida criou, além de uma simbiose, acolhimento e solidariedade entre todas as participantes. "Fui percebendo que as aulas estavam indo muito além de costurar linhas sobre o tecido. Estávamos costurando uma enorme colcha de retalhos de sentimentos e histórias. A combinação de cores da vida de cada uma criou uma harmonia. As dores estavam se transformando em arte", frisa.

"Cada uma que chegava ia tecendo a sua história e tornando a colcha ainda mais sensacional. É claro que eu também fui transformada por tantas histórias, ao perceber, com o meu conhecimento, que estava contribuindo para que outras mulheres ampliassem seu horizonte e enxergassem novas perspectivas. Hoje, o grupo não quer mais se separar. Todas querem aprender ainda mais e estreitar a cada dia os laços de amizade e admiração mútuos", complementa Suzete Cunha.


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[Reportagem publicada no caderno Eu  Estudante — Profissão&Trabalho, do jornal Correio Braziliense, em 23 de abril de 2023]

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